30 abril 2015





Pela terceira ou quinta vez sento-me a mesa e tento dizer que existe nela um espaço de morte de pássaros. Mas o espaço não me chega, embora fume muitos cigarros
- porque sei que há uma relação estreita entre cigarros e o espaço da morte de pássaros.
Mas o espaço não me chega, embora eu a tenha criado apenas para que houvesse nela esse espaço: minha imagem e semelhança, e um espaço onde não sou lama. Se houvesse naquela minha criatura tão bem criada um espaço de morte de pássaros, então a minha própria podridão e os meus agradáveis passeios até a imatéria necrosada de mim mesma não seriam condenáveis.
Mas não há.
Forço o cheiro de decomposição e grito do fundo de meu ódio que na minha criatura tão bem criada é preciso haver o mal, é preciso que ela seja podre e que enjoe e que vomite e que se esqueça e que condene e que mate um pássaro.
Mas se tento por em suas mãos a morte do pássaro encontro-a sempre transpassada pelo sol, num corpo improvável, anexando eternos – apenas os mais sublimes.
Ela é lago margeado por um corpo improvável que anexa eternos.
O que ela é tem delimitações da ordem do ser, por isso corpo. Porém o corpo não precisa delimitar-se e tem potencia de improvável, por isso eternos. Ela é a reação de eternos, e por fora corpo.
            [Uso seu corpo improvável para abrir o espaço.
 Atravesso-a com agulhas até as vertigens e dentes serrados. De baixo para cima faço-a arder e – porque sei que posso – ateio fogo em sua estrutura lago.
Mas não há.
A morte é o mais forte eterno reagente - ela é toda cruzada de sua própria morte. E, no entanto, não posso por em suas mãos a morte de um pássaro. 
É lago denso e profundo e contém os 360 enganos que há nos profundos lagos – mas não esse espaço.
Sabendo que lá dentro há lama – a lama é o cerne de todo lago – me afogo na minha criatura tão bem criada porque preciso achar a morte de um pássaro

 e ela me anexa – porque já tenho todos os cigarros molhados.   

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