02 julho 2014



As mãos poderiam até se tocar
Mas não era tocá-las que te inventaria
Você era
Você eu já sabia.

06 junho 2014

Amarelo





Vestem-se todos com casacos amarelos
Iguais com casacos amarelos

Sentam-se as calçadas na espera


Do ônibus das seis

Do café das nove

Por-se o sol amarelo


A mim esqueceram-me

Em casa sobre a mesa
Ou  debaixo do sofá

15 maio 2014

Amor dra(gra)mático




Foi decerto o pretérito, 
sujeito maldito, 
que roubou nosso futuro. 
Tivesse se interposto o predicado,
 éramos eu e você no gerúndio, 
e minha sentença não seria 
dizer que te amaria,
 pois - por toda conjunção explicativa! 
 minha oração rezaria: 
Seguir te amando.

25 abril 2014

Cândida




A despeito das muitas estruturas imponentes
É Lua
Absoluta
E eu a fito simplesmente

Fosse qualquer outro espaço entre o ser e o estar
Eu diria: um cigarro de pausa
Sem proposta e devagar

Mas ainda que motores da ácida labuta
É Lua
Simplesmente
E eu a fito absoluta

Estagno e deixo-a, luar
Até que não sei mais se sou eu que a fito
Ou se é ela que inventa
Qualquer possibilidade do fitar

Lua que embebeda tudo que do meu fitar é brancura dela
Eu a posso, estatelada, embebedando-me da janela

Então desagrego,
Sem conversa e sem mais pausa
Porque ela destitui o direito do tempo
E desenhou-se minha única cândida causa.

03 março 2014

Bailarino






Sentia-se sufocar.
O calor e a fumaça azulada dos motores constantes.
Desceu do ônibus porque sentia-se sufocar
                                        - o calor e a fumaça azulada dos motores constantes.
Também o escuro.
Desceu e cambaleou passos pelo túnel,
Um, dois, três...  tic tacs de relógio pelo túnel.

Não de supetão mas silenciosamente caiu,
Cada membro atingindo o o chão de uma vez.
Caiu em meio a fumaça,
Um cair bailarino.

Não de supetão mas silenciosamente as ideias esvaíram-se.
Desmanchando em meio aquoso para longe.
Esvaíram-se em meio a fumaça,
Um esvair bailarino.

Não sei se alguém o percebeu.
Se percebeu não parou,
Se parou não agiu
E se agiu foi tarde demais.

Não de supetão mas silenciosamente morreu no meio do túnel
E - apesar da distância do sol - morreu cuidadoso,
Um morrer bailarino.

26 fevereiro 2014



O fato era que suas botas apertavam.
Entretanto, nunca tivera botas. Assim sendo era uma pessoa cujas botas - não pertencentes - apertavam.
Agora prostrava-se com a impossibilidade de sair descalço; sentia-se nu, impotente, violado.
Mas nunca tivera botas.
Imagem torpe: se faziam necessárias - senão essenciais - justamente agora que apertavam.

Repentinamente era um homem que precisaria aprender a estar sem as botas com as quais nunca vivera.






quero coisas que sejam tolas
mas que não estejam amareladas
que me desconcentrem do vento gelado
e sejam amigas de suas palavras
no entanto pasmo sempre
no ultrapassado
não me ouso mover
nem procuro te ouvir
tenho medo do que é branco
e do calor e da euforia
são todos muito completos
e é só de cacos
que faço poesia



Invejo as gaivotas
Simplesmente voam
Constantemente outros céus
Constantemente outros
E eu as observo da mesma janela
Constantemente eu
Constantemente a mesma.

Conto com um abrir de asas
Mas não o meu.
Contento em não voar
Contanto que voem:
as gaivotas, as constantes mesmices.

*

Os prédios soturnos e calados
gritam na noite
inaudíveis palavras de concreto.


A cidade à noite
              - Ferida aberta

Entre ruas vazias e prédios soturnos
A cidade á noite
              - refugio do poeta.

*

Que disse o céu
Que disse o sol
Que disse mar em meus olhos
Perdoa -
Eu me sentir desgraçada
Curva que curvou errada
Só angústia
Só.
E mais nada

*

Agora parece que estou temendo: ele e suas miudezas.
Se estou cega às coisas despercebidas.
Cega às coisas quase imperceptíveis.

Parece pequeno: não perceber o imperceptível.

A distância é pequena - a desvantagem: estar cego para o quase não percebido.
Mas é grande.

Perco o findo.
Perco a alma.
Perco tudo o que me resta (o escrever).

Grande: Sem o imperceptível - findo - perco tudo o que me resta (o escrever).
Perco a alma.
E não só por aquele quase.

*


Onde não escrevo: deixo a dor fazer-se amorfa e que ameaça tragar.
Do contrário resta delimitá-la e saber a curva dos braços dor que me abraçam.


*


...Bonito isso: escrevo por extensão da minha existência.
Não se cala.
Então, ainda que não seja bom escrever sobre isso - e às vezes sobre outras coisas -, escrevo.

Engraçado quem não tem isso - que do papel, que da caneta.
Acho que meditam.
Ou então não pensam tanto assim.

*

Às vezes olhava a janela e sentia vontade de pular.
Não é depressiva.
Não era nada próximo do desespero.
Às vezes olhava a janela e no espaço curto em que não desenhava a sombra bruta da morbidez e a densidão fria da ideia suicida, pensava: pular.
Acho que era qualquer lembrança do dia em que fora sonho
Ou passarinho.




06 fevereiro 2014

Se bem que necessito asas



Despejo-as
Se impensadamende é vacilar na utopia; eufórica.
A despeito da disritmia que me agrega
(Ou mesmo por causa dela)
Para observar fluir
F-R-U-I-R
Arrebatada
Que os olhos até ensaiam molhar
Por acariciar novamente o amante
E derramá-las - vomitá-las talvez,
Aveludadas porque voltaram

E ainda não sei
                - Se minha alma
                  Se seus olhos
                  Ou o vinho depois do almoço

23 janeiro 2014

Intervenção



Não importa o que mais tinha.
Abstenho-me de versos românticos enjoativos.
Apenas uma intervenção: sua boca.
Porque tinha gosto de palheiro e cerveja amornada,
Então eu tinha de sua boca tudo o que é bom - tudo o que é fim de tarde.
Espetacular seria, talvez, chantilly,
Fizeram-nos crer assim.
Mas o doce só se faria necessário sobre o amargo
E para aqueles meus dias ensolarados,
apenas o que eu poderia esperar
Era sua boca
de fim de tarde.

22 janeiro 2014




- Venha - Sua voz ecoou quebrando o silêncio oco do espaço vazio.
Não me mexi, não levantei a cabeça, não olhei para ela. Os cacos de vidro espalhados machucavam minhas pernas.
- Levanta – Ignorei. Ao longe luzes vermelhas piscavam. Chovia, mas essa imagem não se formava lógica em minha mente. Eu estava abismo e minhas ideias apenas pulavam, suicidando-se antes que fosse possível absorver algo além de seus contornos. Estava escuro.
- Gosto do vento – lá fora uma pomba pousara sobre o teto de alguma construção vizinha – E de pombas também...
- Não me interessa – interrompi. Incomodava. Não olhei para cima. A pomba permaneceu imóvel.
- São minhocas, Mariana – sua voz parecia mais amável – minhocas que você cria. Medos e nada mais. – Ela se aproximou. Algumas mariposas voavam.
Eu talvez vomitasse.
Está doendo? – Perguntou. Não olhei para ela, e não olharia. Aproximou-se um pouco mais – Não se cobre saber nadar, se atira e vai... são apenas minhocas. - Incômodo. E agora arranhava: era medo mesmo. Crescente, pulsante. Talvez sufocasse.
- Que horas são? – Eu quis saber. Ela tentou se aproximar, mas me afastei, talvez tenha cortado um pouco a perna nos cacos de vidro.
- O tempo é mesmo uma fuga recorrente. De todos, sabe? Não se preocupe
com ele.
- Que horas? – Insisti. Ela apenas me observou imóvel. O medo crescia. Eu talvez pudesse dominá-lo, mas eu não sabia o seu porque. Eu não sabia nada. Minhas ideias permaneciam suicidando-se.
Agora um zumbido amargo de qualquer coisa que se quebra repetitivamente crescia em meu ouvido.
Meus pulmões enchiam-se de água: água inexistente e nem por isso menos sufocante.
- Eu queria saber as horas – gritei. Tentei abafar o zumbido. Quase esperei que a água inexistente em meu pulmão saísse por minha boca, por meu nariz e ouvidos, turva e quente. Consegui um apelo, retorcido e esgarçado.
Ela me olhou, dessa vez preocupada.
- Mariana – disse meu nome com a voz retraída, como se temesse quebra-lo.
– Mariana – ela disse outra vez.
Não olhei para cima. Eu não olharia. Eu não teria uma conversa amigável com ela. Eu não me levantaria.
Os cacos de vidro apenas ficaram alí: ferindo. O som continuaria pulsando em meus ouvidos a água inundaria apagando cada marca minha em mim. Meus olhos fitariam o chão.
- Mariana- Eu ouvi sua voz, tão longe, talvez ela se afastasse enfim. Escurecia.
Meus olhos fitariam o chão. Eu não sei e jamais seria possível saber se ainda chovia lá fora.
- Mariana – Ela se aproximou. Suas mãos levantaram minha cabeça. Fitei seus olhos azuis.
E então contraponto: Ela havia conhecido gente, todo tipo de gente, as mais estranhas. Ela havia andado descalça, havia tomado chuva, havia fumado cigarro. Ela gostava de primavera, havia vivido dias quentes. Interrompera o rumo de formigas e escrevera poesia. Ela fez luz de retinas. Ela amou.
Em meus ouvidos coisas mil pararam de quebrar repetitivamente.

A mariposa pousou nas mãos agora completamente frias.
Lá fora a pomba voou, afastando-se do aposento.
Para longe do corpo inerte.

Construções



Estava encolhido, sem nome como sempre, ainda mais sem nome porque agora chovia.
Acocorava-se amarelado sobre uma caixa d’água velha e sob uma árvore inapropriadamente florida.
Fitava a chuva. 
Mais precisamente fitava as gotas maiores que escorriam das folhas e se distinguiam da aguaceira.
Fitava com olhos absolutamente imóveis – acocorado e sem nome – as grandes gotas.
Fumava – achava que fumava – um cigarro molhado. 
Só isso, só isso mesmo.

Mas explico: Era Maio, por isso apenas fumava, ou apenas fitava. Não sorria ainda.


"Entre a chuva e a árvore sem tocar o chão, sem ver consrução nenhuma feita por mãos."




Durante o dia sorrio.
Durante o dia permito-me a alma.
E quem observasse entenderia-me leve.
Mas durante a noite são fragmentos.
E busco recolhe-los:
Ás vezes cuidadosamente,
Às vezes desejando parti-los ainda mais.
Faz-se necessário que à noite eu recolha fragmentos,
E então tentar seguir inteira.
Um dia mais sem você.