22 janeiro 2014




- Venha - Sua voz ecoou quebrando o silêncio oco do espaço vazio.
Não me mexi, não levantei a cabeça, não olhei para ela. Os cacos de vidro espalhados machucavam minhas pernas.
- Levanta – Ignorei. Ao longe luzes vermelhas piscavam. Chovia, mas essa imagem não se formava lógica em minha mente. Eu estava abismo e minhas ideias apenas pulavam, suicidando-se antes que fosse possível absorver algo além de seus contornos. Estava escuro.
- Gosto do vento – lá fora uma pomba pousara sobre o teto de alguma construção vizinha – E de pombas também...
- Não me interessa – interrompi. Incomodava. Não olhei para cima. A pomba permaneceu imóvel.
- São minhocas, Mariana – sua voz parecia mais amável – minhocas que você cria. Medos e nada mais. – Ela se aproximou. Algumas mariposas voavam.
Eu talvez vomitasse.
Está doendo? – Perguntou. Não olhei para ela, e não olharia. Aproximou-se um pouco mais – Não se cobre saber nadar, se atira e vai... são apenas minhocas. - Incômodo. E agora arranhava: era medo mesmo. Crescente, pulsante. Talvez sufocasse.
- Que horas são? – Eu quis saber. Ela tentou se aproximar, mas me afastei, talvez tenha cortado um pouco a perna nos cacos de vidro.
- O tempo é mesmo uma fuga recorrente. De todos, sabe? Não se preocupe
com ele.
- Que horas? – Insisti. Ela apenas me observou imóvel. O medo crescia. Eu talvez pudesse dominá-lo, mas eu não sabia o seu porque. Eu não sabia nada. Minhas ideias permaneciam suicidando-se.
Agora um zumbido amargo de qualquer coisa que se quebra repetitivamente crescia em meu ouvido.
Meus pulmões enchiam-se de água: água inexistente e nem por isso menos sufocante.
- Eu queria saber as horas – gritei. Tentei abafar o zumbido. Quase esperei que a água inexistente em meu pulmão saísse por minha boca, por meu nariz e ouvidos, turva e quente. Consegui um apelo, retorcido e esgarçado.
Ela me olhou, dessa vez preocupada.
- Mariana – disse meu nome com a voz retraída, como se temesse quebra-lo.
– Mariana – ela disse outra vez.
Não olhei para cima. Eu não olharia. Eu não teria uma conversa amigável com ela. Eu não me levantaria.
Os cacos de vidro apenas ficaram alí: ferindo. O som continuaria pulsando em meus ouvidos a água inundaria apagando cada marca minha em mim. Meus olhos fitariam o chão.
- Mariana- Eu ouvi sua voz, tão longe, talvez ela se afastasse enfim. Escurecia.
Meus olhos fitariam o chão. Eu não sei e jamais seria possível saber se ainda chovia lá fora.
- Mariana – Ela se aproximou. Suas mãos levantaram minha cabeça. Fitei seus olhos azuis.
E então contraponto: Ela havia conhecido gente, todo tipo de gente, as mais estranhas. Ela havia andado descalça, havia tomado chuva, havia fumado cigarro. Ela gostava de primavera, havia vivido dias quentes. Interrompera o rumo de formigas e escrevera poesia. Ela fez luz de retinas. Ela amou.
Em meus ouvidos coisas mil pararam de quebrar repetitivamente.

A mariposa pousou nas mãos agora completamente frias.
Lá fora a pomba voou, afastando-se do aposento.
Para longe do corpo inerte.

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