24 fevereiro 2016

Vaga aberta

quando soube 
era no meio da água morna.
ali ficará por muito tempo
sem outra coisa
além de ser.
em nenhum de seus lados
nada
nenhum eco.
respirava sem as circunstâncias dadas
e apertava a beirada das unhas
nesse amor de simesminha
de quem só é e não tem para onde crescer.
ficou só sendo
numa completude miúda e
 frágil.
respirou quanto houve possibilidade
de respirar tão miúda
e sem mais nada.
aí virão muitas coisas
 aí virá um pescador
- moço não consigo respirar
 (pensou que ele
tanto mar
tantas coreografias de espuma d'água)

- moço não consigo respirar.


ele sorri porque sabe
 é muito velho
e vai embora
de qualquer forma
meio bêbado.
ela fica
na dura tarefa de voltar
a ser.
depois foi e
 depois não foi
e depois
de novo...



mas partirá grávida
na gestação eterna
das estrelas de neon
que iluminam
os barcos


(da lua de azeite sobre as marés)

As noites são quentes

 houve aquele dia e 
depois daquele dia
nao sei mais dormir
sem camisa.
 tem no meu mamilo
um beijo seu
escondido e
se calha do sol
do vento
ou do lençol
- que descansava em meu pescoço,
mas que preso nos dedos do pé que
estico desce até o umbigo -
roçarem em meu peito,
ele levanta e me acorda afoito
para que juntos,
meio embriagados,
procuremos seu cabelo e
depois amarremos os dedos
e dormir sossegados
com todos os dedos enrolados
confiantes da sua presença.
 mas se calha,
tatearei o vazio ainda por muito tempo
pois o sono é um menino
 que brinca de colocar cacos no lugar
pra gente acordar muito esquecido
 que andávamos sendo pedaços.
 e então será cruzar infinitas vezes as
 duas mãos sobre o peito
 até fazê-lo sabido de que você não está
(é só seu beijo escondido).
 o mamilo descansado
eu ficarei para sempre acordada
 tratando de esconder também
sua voz morena
e o balanço do seu corpo
que acha graça em dizer
bom dia ocê
pra brincar de meu sotaque

Meu olhos são sempre tristes em Londres

e se eu andasse mais 
devagar e implorasse em
silêncio que os passantes
se fizessem fortaleza e
mutuamente
arredondassem as pedradas esculpindo as pontas para
que batessem e não cravassem.
e se depois eu me ajoelhasse no asfalto
quente e bebesse convicta
a água podre dos canais e
depois vomitasse a
histeria da cidade e depois
grunhisse e
depois chorasse
alguém saberia que vivo?
que tenho em casa um pé de jabuticaba?
que gosto das pessoas e que gostaria que
as pessoas fossem só as pessoas e que eu
fosse só eu e
não fosse da etnia e das
novenas das teorias
e da classe da
minha buceta e do meu
pé de jabuticaba?