Eu trancada sobre pedras até o horizonte
E porque tenho em meu peito o delírio de todas as tardes
E porque queimo os pulmões, porque é tarde
E que para além dos pulmões tenho motos que cruzam os ares
- Tenho que fazer poesia porque sim.
Onde a aurora é mansa e o erro é manso
(E o erro é um manso deus que anda nu)
Nas janelas, sempre os melhores lugares
Assisto a derrocada dos relógios parados
E o signo dos tumores insistentes
Que incidem nas janelas, sempre os melhores lugares
(porque emolduram dentre anjos, brancas luas e linhas passadas)
E que me fazem nua se o pretendem
E que me fazem mansa como os erros
De desmesura mansa por corredores roucos
Com os olhos, que os tenho fechados
Com os braços, que os tenho arrepiados
Como se, mansa, colhesse as estrelas
"Maravilhosas faziam-se as cíclicas perecíveis rosas. Ninguém me demoverá do que de repente soube à margem dos edifícios da razão: a misericórdia está intacta, vagalhões de cobiça, punhos fechados, altissonantes iras, nada impede ouro de corolas e acreditai: perfumes. Só porque é setembro." Adélia Prado
29 janeiro 2016
rio (ou breve história da última vez que te vi)
cala-te
que ninguém
mais
escutará
tua voz
aquática
e haverá no
futuro
brotinhos
dados
a poesia
que nem
saberão
da concreta
geografia
que te
esconde
vê
sobre ti vai
uma terra em que a liberdade terá preço insalubre e fétido
mas subirá
sobre arcos de concreto oníricos ao luar
sobre ti
habitarão
feras
dementes
que sonham a
liberdade
mas não
ousam
tocá-la e
por isso
calam-te
tu és livre
demais
muito dado a
não parar
diante de
nada
em cima de
ti
vai um
matemático
e colocará o
viaduto
embaixo do
viaduto vai
um bêbado e
colocará o carnaval
entre ambos
dançarão o
broto
e o velho
que voltou de Portugal
tocando um
surdo
e dizendo junto as massas que
os muros são
de purpurina
- tão loucamente saudosos que estão
de seus
espelhos
enquanto
fingem a
liberdade
para que
não vá outro
calá-los
como a ti
molham-se de
uma
água
inexistente e
riem
aglutinados
enquanto tu
rio
ficará
calado
só
saberá de ti
um poeteiro anarquista
que por hora desista mas talvez consiga
te
fazer
- In
Memoriam -
algum festejo local
Pena de Pavão
Chegou às beiras
de um suspiro morno de
vento
luminesceu
de um sussurrado infinito grito
pousou descalço
numa areada dança Luzia
cruzou o sol
Yesu
Marrom
um
menino.
Inaugurou-se
em meio aos bichos
e os fez mansinhos
à sua chegada
cada cabeça que
as colhia e
serenoso
sussurrava
a valsa
lenta dos moinhos em
seus ouvidos
cata-vento
até fazê-los todos molinhos
até tê-los todos babentos
A cada vez
que amanhecia
designava ao
sol
- lantejar sobre gotas orvalhadas
desenhando
refrações de cintilância,
para depois
ordenar às pedras
ser-se pedras
na
continêcia de silêncio
e exatidões
Por quanto
pisasse sobre a terra
Yesu
Marrom
tão menino
movia moléculas.
À noite
dançava o delírio dos cometas
e a ciranda das estrelas
em seus olhos
via láctea
Num devaneio
aquático
lançava
pinotes bailarinos
mapeando a
areia árida
depois sonhava
Sonhou
auroras róseas sobre um mar dourado atrás da pena de um pavão
um planeta invisível
na terra andaluz
de espíritos transparentes
e toda alma
apaziguada
Acordou
suspirado e exaltante
e mais cruzou
a areia trôpego
e depois venceu
o deserto
e depois caminhou
cem luas
e depois a
jornada de setecentos e cinqüenta dias
Estatelado
na floresta
parou à sua entrada
Perdida das
vistas do sol
a floresta
negrume
Acabrunha os
respiros do dia.
Nada em
movimento e
nenhum som.
Soluçantes
as folhas
mortas
de arbustos roxos e prostrados
escondiam
a mágica
criatura
da pena portal
do mundo sonhado
Yesu
descalço
escorrega na
mata adentro
e perde das costas o deserto
e cala na voz a valsa lenta
e vai ficando melindroso
de um pisar
todo em silêncio
Os pezinhos
marrons e miúdos
deformam o brejo fétido
de árvores
leprosas
que cospem
ranhuras
contra as trepadeiras brutas
de espinhos pontudos
que o lanham
a testa
O chão
encharcado borbulha olhos
de mal olhado
que o rabiscam
em corpo
menino
de cicatrizes
entre as
costelas
Os ouvidos de inspiração
a cada moita
mais parca
criam ruídos lamuriosos
por debaixo das copas mortas
Tirurugu iu iu iu xiiiiaa
Tiruuurugu xiiiaa riui uiuiu
Tão marrom
quase vai sendo brejo
quase vai sendo bruto
e grita em resposta
contra o
grunhido
do nada,
implorando
aos charcos
quase vai sendo mata
Transparente
meio
espírito
liquefaz- se
em
veias
d’água,
vai carregado
em
trombaduras,
via cortes
muculentos
que o
entregam
à cascata
No cume da
pedra exata
que sustenta as prateadas
descidas d’água
o pavão
airoso
tinge de
azul
a luz
negrume
Yesu
disforme
de um olhar
tormento
no sonhado
mundo
se quer em
contento
e sonha
sua alma
acamada em
quentura
Numa
aderência improvável
ascende ao
afeto
por quanto abraça uma
a uma as pedras verticais
que o levam ao cume
por quanto abraça uma
a uma as pedras e
tenta ir ao cume
por quanto abraça uma a
uma por quanto fita indelével o
cume por quanto abraça uma
e depois nenhuma há
outra que o rejeita no
quase abraço do cume.
Estatelado
no chão
Alonga a um
retalho de céu
A pergunta
do olhar magoado
Pende ao
lado a cabeça
de olhos
chorosos
que derramam
planetas
e mira a
mãozinha dormente
no lado
mesmo em que vê
antes de anoitecidas
as íris
lunetas,
portal aceso e
luminante,
tanta cor!
entre os
dedinhos
amortecidos e
agonizantes
uma pena de
pavão.
....................................................................................................
Mas se
queres bem saber
vá falar com
Yesu
diga a ele
- bem sereno e bem alado -
que tu
também quer mais andar
na morada de
cristal
atrás da
pena de pavão
do mundo
sonhado
Padre Eustáquio
Houve dia santo
em que choveu na cidade.
Três crianças foram ao céu
- escoadas
entre bueiros.
No centro do coração eucarístico
Deus não anotou
que chegavam ao paraíso.
Muito concentrado,
contava ave marias
que pagam pecados
de homens
que inundam cidades
Monotema
em todo caso
não deixei de
contar que guardo
conchas em uma
jaqueta sem bolsos
e que só sei brincar
de poesia com a lua
com as louras cerejas
e uma janela aberta e nua
ou uma miúda árvore na
esquina.
com as rugas de silêncio sobre
as lentes de contatos
e um sorriso
alaranjado que
te chega à tarde
com as notas que tocam o
viaduto
........................................................
com as duas luzes acesas na
cidade
Meninos Abortados
dá-nos a tua mão inesperada
mãe
mãe
que nós somos um grito ríspido a te inflamar os ouvidos sem
querer que nós somos a parte que não cabe e habitamos as praças vazias do teu
coração arregaçado e a parte fluxo e a parte podre do teu negro buraco
mas dá-nos
a tua mão mãe
a tua mão mãe
que estamos crus sem querer e te ferimos a língua sem querer
e queremos apenas tua mão inesperada que nos chegue quando seus olhos se
alongarem até os pássaros
pois que apenas os meninos
abortados
compreendem a importância do acúmulo de gaivotas sobre um domingo violentamente branco que basta um domingo violentamente branco para sermos violentados e um domingo branco para nos fazer fluxo
contra teu negro buraco
pois que apenas os meninos
abortados
compreendem a importância do acúmulo de gaivotas sobre um domingo violentamente branco que basta um domingo violentamente branco para sermos violentados e um domingo branco para nos fazer fluxo
contra teu negro buraco
dá-nos mãe
a tua mão
a tua mão
que ainda assim quando
se for nascer a manhã seremos nós a te pousar no ombro invisíveis a te puxar os
cabelos sem querer e te expirar a insanidade das horas e te beijar as
sobrancelhas e te chamar a atenção
para os pássaros
para os pássaros
raquíticos e crus a te tampar os negros buracos que habitamos invisivelmente as praças vazias dos teus olhos arregaçados apenas meninos
abortados
que conhecem a clemência e ninguém mais a diz a clemência e ninguém mais a faz a clemência e ninguém mais ama e nem conhece a pureza das mariposas e nem anota que de tuas preces borboletam mariposas
até nós
e que teu corpo nu é quente por sob a água e que teus delírios são nossas lágrimas as dos meninos
abortados
e seremos nós eternamente a vagar do teu lado por entre tuas pernas e por debaixo de teus sussurros fazendo troça dos demônios insanos e sarcásticos assobiando melodias aquáticas em teus sonhos quebrados
descendo de
teus olhos
até a curva de
teu braço
para
deitar
invisíveis
entre teus dedos
tua mão esperada
Tarde nublada em - quase - primavera
O sol somente por
retalhos
De entrecortados raios
ralos
Me chega, o vejo, e não me beija
E nem a flor e nem a
mim.
Porque é cinzento e a flor carmim
Acha que só a flor se veja.
Beija escondido e se
esqueceu
Que mesmo em fundo
breu do céu
É todo brilho mesmo
assim.
tenho
dezessete possibilidades de tentar algumas sistematicamente me levarão ao erro
outras acharei corretíssimas tentabilíssimas serão falsas e patéticas posto que
errei mais uma vez e mesmo assim as flores de teu vestido levaram-me a não sei
que praça mas foi apenas por seus olhos apenas por seus olhos que tem o que os faz
tanto mais que os seus braços tanto mais que os meus braços e que minhas mãos são olhos tanto mais e ao
menos dez ainda sobram e me confortam apesar da repetida negativa em meus ouvidos constantemente a
negativa em meus ouvidos repetidamente negando-me enquanto ainda há no mínimo
cinco o que já são estrelas e encontros
- cinco possibilidades me são na
decorrência mais pouca ao menos estrelas e encontros – e poderei ainda saber o silencio
da parede embora o silencio não me chegue onde se vai mais uma que nem as
flores do teu vestido seguram-me e a tentativa de seus olhos foram água demais
e não couberam e se esparramaram tão incontidos quanto é natural de água
e eu
tão
baixo
mas depois
de três ainda duas que serão duas e que bom que duas – a via de regra do êxito
é barrada por tapumes vermelhoalaranjados - e a outra de qualquer forma serei sempre eu
descortinado ou trajante de um sem número de ternurinhas que me darão ainda
dezessete possibilidades de tentar mais uma vez
Soneto da Infância Encontrada
Senti lamber-me em derradeira infância
Um calafrio de acabado sonho
Por entre as vértebras, sonso e medonho
Gritou calando-me a frágil criança.
Desfiz o laço da apertada trança
E a fita verde a amarrei no dedo
Só pra lembrar-me a mim mesma em segredo
Que em minhas mãos há segura esperança.
Tomei calada um qualquer Floratil
Tendo eu fé no que em nome era flor
Vi tanta graça em meu bobo ardil
Que fui sorrindo e fazendo calor
Em toda parte onde foi calafrio
Deixando verde o que fora incolor.
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